Harry Haller é uma personagem de O lobo da estepe (Der Steppenwolf, Hermann Hesse, 1927), nesse romance de formação (bildungsroman), Haller está envolto com questões existenciais que provocam sofrimentos e angústias. É um homem de 50 anos que olha para o mundo com amargura.
Haller é um homem só, um lobo, que está em busca de alimentar instintos ainda não saciados e que range os dentes para tudo que é fútil e vão na sociedade. Assim se denomina o nosso jovem de 50 anos: “Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível”. Haller rosna para um processo civilizatório que nos joga no vazio e no abismo de um mundo que gira em torno do consumismo. Haller rejeita o consumismo e o fascismos, típicos de sua época (e da nossa), e quer buscar respostas mais profundas sobre si mesmo e sobre nossa existência. Um homem de hábitos noturnos, pré-ocupado com questões fundamentais da vida, deslocado das convenções sociais, da moral imposta, disposto a combater o armamentismo (mais atual impossível) e os perigos de um conservadorismo que não se preocupa em retroceder a história para além de estancá-la.
Apesar de toda a angústia, Haller passa por um processo de educação (Bildung) num teatro, para ser mais preciso, num teatro mágico onde na porta se lê: Só para raros, só para loucos. E por que não dizer que somos todos como Harry Haller, carregando angústias, questionando valores? E por que não dizer que o FIG é nosso teatro mágico? Nós somos raros, nós somos loucos. Loucos porque não pensamos como rebanho, porque vislumbramos o ser humano mais livre e responsável por sua existência, porque defendemos a educação e a cultura como um caminho possível para a construção de um mundo menos injusto. Loucos, raros e se educando no festival de inverno de Garanhuns. Usando O FIG, esse teatro mágico, para aprendermos a ser menos pragmáticos e mais sensíveis, para aprendermos empatia ao invés de ódio, para aprendermos esperança ao invés de celebrarmos a distopia. É que não aceitamos o mundo como ele é, é que: “se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, essas diversões em massa e esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco têm razão, então estou louco”. O nosso teatro mágico, que traz arte “diferente” nos educa para sermos mais humanos, mais raros, mais loucos.
Haller tem tendências suicidas mas é condenado à vida no teatro mágico: “O senhor está disposto a morrer, seu covarde, mas não a viver. Ao diabo! Mas terá de viver!”. E é isso que buscamos nos dias frios de julho, buscamos vida, vida que cultivamos no processo educativo e que maturamos durante todo o ano, até que um novo festival venha nos renovar.
Haller usa o teatro mágico para tentar se salvar, assim, ele ama dançar sob o som do Jazz, expande sua mente através de substâncias alucinógenas (e o que é a arte senão essa substância?), vive. Nos divertimos para aprender e aprendemos nos divertindo, esse é um dos propósitos do FIG: aprender a viver! E como declarou o próprio Hermann Hesse sobre o lobo da estepe: “..A história do Lobo da Estepe, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção”.
O nosso teatro mágico é uma celebração da vida, nosso FIG nos ensina muito, tenhamos apenas o nosso espírito aberto à experiência da arte e sejamos lobos, lobos da estepe para crescermos com as experiências estéticas e compreendermos a nós mesmos.
O trigésimo Festival de inverno já fica para a história como o maior de todos os tempos, que cresça ainda mais, que se fortaleça ainda mais. Agradeço a Junio pela oportunidade de poder me expressar no Guia do FIG!
Até ano que vem!
Pedro Henrique Teixeira
“Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível” Herman Hesse